sábado, 31 de dezembro de 2016

12 Horas de Porto Alegre 1968: Pace “empurra” Emerson.

Localizava-se entre os bairros de Cavalhada e Vila Nova da cidade de Porto Alegre. Foi utilizado pela primeira vez em 1958, numa prova pelo campeonato gaúcho. Seus 6,492 km de extensão tinham terra seca, brita, saibro e paralelepípedo. O sucesso da prova anual foi grande até 1963. Após quatro anos de interrupção a prova no circuito da Cavalhada-Vila Nova voltou em 1968 com a disputa das 12 Horas de Porto Alegre, nos dias 21 e 22 de dezembro. A largada era na Avenida Cavalhada, esquina com a Otto Niemeyer em direção  da Rua João Salomoni. Após a largada, contornava-se um “S” em alta velocidade até a    curva do Posto Ipiranga. Daí até a Igreja da Vila Nova (já na Salomoni), percorria-se  curvas suaves em descida constante. Próximo à igreja, um outro “S” muito veloz e em seguida    forte redução de marcha para contornar a esquerda (onde fica a igreja) a quase 90º. Sai-se    de lá com “pé no fundo” já na Avenida Vicente Monteggia em subida. Curva à direita e depois, quase um quilômetro em subida pela Monteggia para entrar numa descida, onde se alcançava a maior velocidade do circuito, durante uns 600 metros. Duas curvas  longas –  uma à esquerda e outra à direita- antecediam a famosa e perigosa Curva da Padaria – a mais fechada do circuito- com praticamente 90º também (mas, bem mais estreita que a curva da igreja) onde os carros saíam a menos de 60 km/h. Daí era só alegria na  descida  da  Cavalhada até o Posto Atlantic –diante de uma curva em meia-lua- feita a 100 km/h, para tomar a reta de quase 400 metros até a linha de chegada.
Em 1963 o veterano Breno Fornari, com seu Simca n°35, estabelecera o recorde da volta em 3’31”82 a uma média de 110,337 km/h.
Já em 1968, Pace não participou da última etapa do campeonato brasileiro de 1968. Na tradicional premiação anual da época - Prêmio Victor – o campeão brasileiro Luiz Pereira Bueno ganhou como o melhor piloto do ano. Outros destaques na premiação foram Pace -melhor piloto de protótipos de 1968, Emerson Fittipaldi - o melhor da F6rmula-Vê- e Alex Dias Ribeiro -"Piloto Revelação de 1968".
Nesse cenário, as 12 Horas de Porto Alegre de 1968 –última prova do campeonato gaúcho
Sandler persegue Feoli: disputas entre as Classes “B” e “A”.
de 1968- foi disputada a última corrida de rua no circuito Cavalhada, nos dias 21 e 22 de dezembro. Participaram só veículos nacionais, com motor preparado obedecendo o número de carburadores originais. A prova foi dividida em 3 categorias: “A” até 1.000 cc, “B” de 1.001 a 1.600 e “C” de 1.601 a 3.000 cc. A grande maioria, entre os 41 bólidos participantes, foram pilotados por duplas do próprio Rio Grande do Sul. Entre os paulistas, a escuderia Fittipaldi inscreveu  seu já conhecido Fusca, adaptado com o kit Fitti 1600 (1.584   cc)   de   fabricação   própria,   com   os irmãos Emerson e Wilson Fittipaldi.

A Ford também participou –com o recém-lançado Ford Corcel- e aqui vale  a  pena  relatar  os  antecedentes dessa história. Nesse ano de 1968 a Ford adquiriu a Willys-Overland. Assim, depois de uma ano de “vida”, findou-se o Departamento de Competição da Willys. A  grande  sacada  desta  transação foi que nessa fusão, o projeto Renault R-12 já estava pronto. Só mudou o nome de Renault R-   12 para Corcel. Como chefe do departamento de Competições, Luiz Greco ficou sucumbido –pela Ford-  de promover a estréia do Corcel em competições, justamente nessa prova de   Cavalhada.
A Ford queria dois carros na competição e facilitou o preço para o ídolo local  Catharino  Andreatta comprar um e Bird Clemente outro, ambos  brancos.
Greco convidou José Carlos Pace para fazer dupla com Bird e Catharino correu com seu filho   Vitório.
O motor tinha 1.440 cc e preocupado com a visibilidade noturna, Bird acrescentou no seu Corcel, um par de faróis de iodo do Galaxie. Imaginem a potência que  ficou...
Os outros candidatos à vitória eram Jaime Silva e Hugo Galina com um JK de 1.975 cc e o jovem Jan Balder com seu cunhado Henrique Iwers, pilotando o próprio DKW Vemag de 981 cc, comandados pelo veterano Karl Iwers.
Na véspera da corrida, Karl levou sua equipe para treinar na reta da estrada Porto Alegre - Uruguaiana, perto de Guaíba. Jan Balder comentou com os Fittipaldi e estes também regularam a carburação do Fusca, para a corrida, neste retão.
O Fusca andava uma barbaridade e dificilmente o pesado Corcel derrotaria os irmãos Fittipaldi, pensou Bird.
O grid foi formado por sorteio e quem “fez” a pole-position foi o JK de Jaime Silva e Ugo Galina. Na primeira fila também alinhou o favorito fusca dos Fittipaldi. Bem atrás deles, estava o Corcel da dupla Bird/Pace.
Na escuderia Ford (Greco), Bird estava escalado para iniciar a corrida. Minutos antes da prova, Bird não se sentiu confortável com o desânimo de Pace e depois de muito insistir   qual era o problema, Pace explicou-lhe que estava triste porque queria estar no grid para a largada. Aliviado com o desabafo de Pace, Bird não hesitou e concedeu-lhe a pilotagem na hora da largada, recomendando só ter cuidado com os faróis de iodo, devido à chuva que caía. Feliz da vida, Pace se aprontou e alinhou no grid.
Era 22:10 Hs do sábado, dia 21/12/1968 com muita chuva, quando o diretor de prova deu a largada: na empolgação, Pace “encheu” a traseira do Fusca do Emerson quebrando seu distribuidor. Já o Corcel teve o tão cuidado farol de iodo quebrado. No Box, Bird e Wilson não acreditavam no ocorrido. O irado “Tigrão” foi tirar  satisfações com Bird que com  aquele seu jeito peculiar, acalmou-o.
Emerson foi para o Box e lá não tinha um outro distribuidor. Na correria, o amigo Jan   Balder arrumou –na escuderia Puma de José Guedes- um distribuidor para o mecânico Darci, da escuderia Fittipaldi. Com uma volta de atraso, Emersou retornou à prova e teve dificuldades pois o distribuidor não funcionou adequadamente no restante da  prova.
Trinta  mil  pessoas  acompanhavam  o  desenrolar  da prova
sem chuva, o DKW nº45 de  Ronaldo Bittencourt/  Júlio  Dickie seguido
pelo nº51 de Jallé/ Edison Brum.
e às 22:30 o Volks n°40 do piloto José Alfredo Becker, de 25 anos, saiu da pista para não atropelar uma pessoa que cruzava à sua frente. Foi de encontro a uma barraca matando  três  pessoas:  Larri  Cardoso  Samarsia, 32 anos; Marco Antônio Lutkmeir e Antônio Ferreira Gonçalves, ambos de 16 anos. Estes foram projetados a mais de 20 metros de distância. O irmão de Antônio, Alberto Ferreira Gonçalves, de 17 anos  e  Norberto Brozoso sofreram  ferimentos  graves  e  foram  enviados ao Hospital do Pronto-Socorro. O piloto Becker sofreu ferimento   leves   e   quando   desceu   do   carro     estava
completamente descompensado, pois foi para o meio da pista e tentou  o  suicídio.  Felizmente foi retirado a tempo por populares.
A chuva foi até a manhã de domingo.
Da largada até a 15ªvolta a liderança passou por Aldo Costa (Simca  nº3), Lauro Mourmonn (FNM nº25), e Juvenal Martini (Simca nº77) acompanhados por Pedro Carneiro (FNM nº28) e José Carlos Pace (Corcel n°4) que assumiu a ponta e a manteve até a 21ªvolta. Na volta seguinte, Jaime Silva (FNM n°126), era o ponteiro, mas somente por  três voltas pois foi ultrapassado pelo Volks dos Fittipaldi que vinha num ritmo alucinante e já recuperara a volta perdida (de acordo com a cronometragem da prova)!
O Simca nº77 de Martini pouco antes de receber “o bote” do impossível Fusca Fittipaldi nº7.
Jaime e Pace os seguiam bem de perto, formando um trio paulista na liderança. Várias   vezes esse trio trocou de posições até a trigésima volta, quando o gaúcho Juvenal Martini, reassumiu a ponta da corrida, onde ficou por sete voltas, fazendo com que a torcida local vibrasse um pouco. Pedro Carneiro, liderou por duas voltas, mas Jaime Silva o ultrapassou  na quadragésima volta. Por volta da 80ªvolta Wilson fez uma rápida parada no Box e ao retornar lutou pela liderança duramente com Ugo Galina, no volante do FNM. Conseguiu ultrapassá-lo e assumir a ponta. Amanheceu e a liderança era novamente do Corcel da     dupla Bird/Pace com o Fusca dos irmãos Fittipaldi “no cangote”. A batalha se intensificou entre   a   145ª   à 183ªvolta.
Emerson comemora a vitória com o braço para fora, enquanto seu irmão,
o "Tigrão" Wilson é contido pelo segurança e; o pai deles, o "Barão", pula de alegria, no momento da bandeirada.
Foi quando o pai “Barão” Fittipaldi ordenou do Box para que seus filhos forçassem o train  de
 corrida. Na  volta  seguinte, o Volks ultrapassa o Corcel e nesses últimas dez voltas abriu 7” do Corcel para cruzar a linha de chegada em primeiro, depois de 193 voltas percorridas.
O Corcel nº4, supostamente vencedor. Repare nos faróis da direita quebrados.
Greco achou que a vitória foi do Corcel Bird/Pace, pois os Fittipaldi não teriam descontado   a volta perdida. A rádio Guaíba – que tinha um experiente serviço de cronometragem- confirmou o fato.
Sobre o assunto, encontrei o seguinte depoimento do piloto Fernando  Esbroglio:
- Corri esta 12 Horas de Porto Alegre em 1968. Na verdade houve grande dúvida sobre o vencedor; se a dupla Fittipaldi (com pneus Pirelli Corsa que ninguém tinha) ou a dupla Moco-Bird. Naquele tempo, a cronometragem era manual e ambos juravam não ter sido ultrapassados pelo outro. Mas, a força do conjunto Barão-Bardahl-Varga derrotou o conjunto Greco-Ford/Willys. Na verdade, de dentro da pista garanto,  quem  realmente voava baixo era o Luiz Pereira Bueno num Renault Gordini 1.000 cc da Equipe Torke (não era um 1093 de 900cc).
Mesmo com o impasse constatado Greco, Bird e Pace não reclamaram. Bird esclarece o porquê:
- Se o Pace não tivesse batido no carro deles, venceriam com facilidade. 
Emerson relata:
- Ficamos felizes mas a Ford não. Era a primeira corrida que a sua equipe de fábrica    fazia e havia a certeza de vencer. Aquela altura eu já tinha resolvido ir para a  Europa.

Foi sua última corrida antes de sair do Brasil, pois em fevereiro de 1969 ele embarcou para    a Europa.
Aí começa uma outra história...

Abaixo a classificação geral e detalhes de outros pilotos que não completaram a  prova.

12 Horas de Porto Alegre, 21 e 22/12/1968 - Cavalhada-Vila Nova
Coloc.Geral
Piloto
Parceiro
UF
Carro
CC
Classe
Coloc.Classe
Total Voltas
Tempo
Média (km/h)


7
Wilson Fittipaldi Jr
Emerson Fittipaldi

SP
VW
Sedan

1.584

B


193

12h01m31s

104,190


4
Bird Clemente
José Carlos Pace

SP
Ford Corcel

1.440

B


193

12h01m38s

104,150


126
Ugo Galina
Jaime Silva

SP
FNM 2000 JK

1.975

C


184




22
Jose Madrid
José Antonio Madrid

RS
Simca Rallye

2.432

C


184


1
Ítalo Bertao
Rui Menegaz
RS
Simca Rallye
2.432
C
183


9
Henrique Iwers
Jan Balder
RS SP
DKW
Vemag
981
A
182


2
Catharino Andreatta
Vitório Andreatta
RS
Ford Corcel
1.440
B
182


8
Edesio Cé
Paulo Salatino
SC
Simca Rallye
2.432
C
180


32
José Asmuz
Ismael Chaves Barcellos
RS
Simca Rallye
2.432
C
179


10º
43
Rafaele Rosito
Sergio Axelrud
RS
VW
Sedan
1.584
B
178


11º
35
Jorge Truda
JoãoCarlos Mac
RS
Simca Rallye
2.432
C
176



12º
77
Juvenal Martini
Valetr Dal Zotto
RS
Simca Rallye
2.432
C
174


13º
5
Antônio Macedo
Leonel Friedrich
RS
VW
Sedan
1.584
B
172



14º

25
Lauro
Maurmann Jr
Renato Petrillo

RS
FNM
2000
JK

1.975

C


171


15º
79
Gilberto Hoff
Regis Schuck
RS
Gordini 1093
845
A
169


16º
11
Flávio Del Mese
Fernando Bulgarini
RS
VW
Sedan
981
A
168


17º
90
Levino Tagliari
Edson Troglio
RS
VW
Sedan
1.584
B
168



18º

51

Jallé
Edison Soares de Brum

RS
DKW
Vemag

981

A


148



NT

3
Aldo Costa
Luiz Fernando Costa

RS
Simca Rallye

2.432

C


NT

28
Pedro Carneiro Pereira
Alfredo Oliveira

RS
FNM 2000 JK

1.975

C
NT
29
Ênio Sandler
Vilson Drago
RS
VW
Sedan
1.584
B

NT

40
José Alfredo Becker


RS
VW
Sedan

1.285

B
NT
45
Ronaldo Bittencourt
Júlio Dickie
RS
DKW
Vemag
981
A
NT
99
Francisco Feoli
Roberto Giordani
RS
DKW
Vemag
981
A
NT

Cláudio Mueller

RS
VW
Sedan
1.584
B
NT

Fernando Esbroglio






NT

Luiz Pereira Bueno


SP
Gordini 1093

1.000

OBS.: O recorde de prova não foi batido e permaneceu com a dupla gaúcha de Caxias do Sul Valter Dal Zotto-Juvenal Martini com o tempo de 12h00m51s40, ao vencerem a prova de 1963, quando também completaram 193 voltas a uma média de 104,289 km/h, pilotando um Simca nº77. Foi por muito pouco, pouco mesmo hein?
Sergio Sultani.
Colaboração(nos resultados): Napoleão Ribeiro. Fotos: Revista Auto Esporte.

Pesquisa: Nos Bastidores do Automobilismo Brasileiro (J.Balder), Paixão e Técnica ao Volante Entre Ases e Reis de Interlagos (B.Clemente), revista Auto Esporte e Jornal Folha de São Paulo.

6 comentários:

  1. Nesta prova faleceu meu tio Larri Samersla que assistia a corrida, foi um dos atingidos pelo fusca.

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  2. Momento histórico para o automobilismo gaúcho e nacional. Depois Emerson Fitipaldi seria Bi campeão mundial na fórmula 1 e Campeão na Fórmula Indo nos Estados Unidos da América, inclusive vencendo as 500 milhas de Indianapolis, o mais antigo circuito de corridas internacional do mundo.

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  3. Retificando Fórmula Índy nos Estados Unidos da América na década de 90 . Emerson venceu na Fórmula 1 e na Fórmula Índy campeão nas duas categorias do automobilismo mundial.

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  4. Época áurea do automobilismo gaucho

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  5. Que legal, não perdia uma corrida. Passava a noite na garagem dos Azmus vendo preparar as carreteiras.
    Pena que perdi muitas fotos que tirava. Me lembro do acidente que matou um senhor com a batida, no muro, do BMW. Aí nasc eu o Taruma...

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